terça-feira, 23 de agosto de 2016

O dia em que tudo deu errado

Sempre existem aqueles dias estranhos, esquisitos, que nos fazem questionar o porquê levantamos da cama. Já passei por vários desses. Inclusive, me atrevo a dizer que a minha média é um dia–para–esquecer–pra–sempre por semana.

Mas, nesses meus 29 anos, existiu um dia em que eu bati todos os recordes de azar do universo. Acordei atrasada, pra variar, e comecei a correr pra não perder o trem que me levaria de Lucerna, onde eu moro, pra Neuchâtel, onde eu fazia o mestrado, na Suíça.


Como de praxe, liguei o chuveiro para esquentá-lo (sim, o inverno da Europa congela), coloquei o pão de forma na misteira e preparei a cápsula de café na máquina. Fui checar o chuveiro e percebi que a água não esquentava. Lembrei-me de que vi um papel na porta de entrada no apartamento. Não dei a mínima atenção, já que estava em alemão, mas, naquele momento de pressa e desespero, lembrei que o anúncio começava com a palavra ACHTUNG (atenção, em alemão) em caixa alta, e mostrava uma data em negrito. Não poderia ser!!! Mas era!!! Conferi a data e era a mesma do dia, além do horário, que mostrava: 7am - 6pm. Sem água quente naquele dia. Mas como? Impossível tomar banho gelado naquele frio, mas ficar sem tomar banho? Jamais! Brasileiro NÃO fica sem banho (a maioria deles, pelo menos).


Siiiim. Vocês acham que em países europeus, mais precisamente a Suíça, não existem problemas? Se enganaram. Existem! E é bem mais difícil arrumar uma solução por aqui por ‘N’ fatores, mas isso a gente deixa pra outro dia, até porque.... a academia da esquina!!! Isso. Tinha exatos 30 minutos pra estar na estação de trem. Corri pra arrumar as minhas coisas quando senti aquele cheiro de queimado. Esqueci o pão na misteira. Queimei meu lanche da manhã, mas consegui salvar o café, que já estava frio, por sinal.

Corri à academia e, obviamente, Murphy, que estava presente desde o momento em que eu acordei, apareceu lá, sentado no vestiário feminino, só pra me fazer lembrar que não era o meu dia. O vestiário normalmente está sempre vazio, mas naquele dia tinha FILA pra tomar banho. Consegui. Olhei no relógio: 10 minutos para secar o cabelo, arrumar minha bolsa com materiais do mestrado e o almoço do dia (sim, se quando eu morava em Beagá eu já levava comida, imagina aqui?).

Perdi o trem. Era óbvio. Mas a segunda opção me faria chegar cinco minutos atrasada, então ainda estaria em tempo. Adivinhem? Trem “número 2” cancelado. Uma penca de pessoas tentando conversar com os atendentes da estação (aquela turma do “posso ajudar”, sabe?). Desfrutei do fato de ser baixinha e saí me enfiando por todos até chegar a um dos rapazes e descobrir a conexão que deveria pegar. “Mudamos a conexão de um dos trens para atender à demanda, então você pode pegar este, mas com duas trocas e com intervalo de apenas dois minutos”. Se tudo desse certo chegaria 10 minutos atrasada, mas era a única opção.

Cheguei na faculdade descabelada igual a medusa, suando igual um porco e... o professor não estava lá, tinha atrasado.



A apresentação de trabalho foi OK. E eu finalmente tive a sensação de que o pior já tinha passado. No caminho de volta uma ventania começou absolutamente do nada. E, claro, eu estava de vestido e casaco, mas sem meia-calça, porque, na correria, a minha desfiou quase por completo e eu fui obrigada a tirar. Tentei correr até a estação com aquela sensação de que iria voar. E voou. Não, eu não, claro, mas o guarda-chuva. Continuei minha caminhada sem guarda-chuva e com frio.

Como de costume, corri até o fim da plataforma pra pegar o trem, já que as pessoas sempre se amontoam no início e os últimos vagões ficam vazios. Não sei porquê resolvi inventar de correr. Pensem na cena: uma pessoa correndo de salto (baixo, mas não deixa de ser salto), vestido, roupa ensopada, mochila nas costas, bolsa térmica na mão e tentando beber água. Claro que a garrafa de alumínio caiu e saiu rolando. E claro que ela caiu na trilha do trem. Depois disso foi aquela vergonha sem igual. Um anúncio no alto-falante. O pessoal da manutenção chegando para tirar a garrafa do meio do trilho, o trem atrasado por minha culpa e todo mundo me olhando.

Cheguei em casa exausta.

- Amor, você não acredita no meu dia de hoje.

- O que aconteceu?

- Tudo começou com o chuveiro aqui do apartamento. Você sabe que hoje não tivemos água quente das 7 da manhã até às 6 da tarde, né?

- Ahn? Como assim? No anúncio lá fora a única coisa que dizia era que eles iriam fazer uma manutenção no prédio, mas pediam para não gastar tanta água e esperar um pouco mais do que o normal até a água esquentar....


4 comentários:

  1. Ahahaha... muito bom. Iria ler depois, com calma, mas não teve jeito porque você escreveu tão bem e tão instigante para se chegar ao final do dia. Coitada! Muita coisa para um dia só, mas pense, pelo menos você está na Suíça, e isso já é muito para muitos brasileiros.
    Adorei demais o texto! Beijos

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  2. Kkkkk. Como assim?
    É Aline acho que vem boas histórias por ai.já estou na expectativa.
    Bjs

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  3. Muito bom, querida! Faça isso. Se recordar é viver, aproveite o hiato do trabalho e viva para recordar, registrando as memórias. Parabéns! Beijos da mamãe.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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