O dia em que tudo deu
errado
Sempre existem aqueles dias estranhos, esquisitos, que nos
fazem questionar o porquê levantamos da cama. Já passei por vários desses. Inclusive,
me atrevo a dizer que a minha média é um dia–para–esquecer–pra–sempre por
semana.
Mas, nesses meus 29 anos, existiu um dia em que eu bati
todos os recordes de azar do universo. Acordei atrasada, pra variar, e comecei
a correr pra não perder o trem que me levaria de Lucerna, onde eu moro, pra
Neuchâtel, onde eu fazia o mestrado, na Suíça.
Como de praxe, liguei o chuveiro para esquentá-lo (sim, o
inverno da Europa congela), coloquei o pão de forma na misteira e preparei a
cápsula de café na máquina. Fui checar o chuveiro e percebi que a água não
esquentava. Lembrei-me de que vi um papel na porta de entrada no apartamento.
Não dei a mínima atenção, já que estava em alemão, mas, naquele momento de
pressa e desespero, lembrei que o anúncio começava com a palavra ACHTUNG
(atenção, em alemão) em caixa alta, e mostrava uma data em negrito. Não poderia ser!!! Mas
era!!! Conferi a data e era a mesma do dia, além do horário, que mostrava: 7am
- 6pm. Sem água quente naquele dia. Mas como? Impossível tomar banho gelado naquele frio, mas ficar sem tomar banho? Jamais! Brasileiro NÃO fica sem banho (a maioria deles,
pelo menos).
Siiiim. Vocês acham que em países europeus, mais
precisamente a Suíça, não existem problemas? Se enganaram. Existem! E é bem
mais difícil arrumar uma solução por aqui por ‘N’ fatores, mas isso a gente
deixa pra outro dia, até porque.... a academia da esquina!!! Isso. Tinha exatos
30 minutos pra estar na estação de trem. Corri pra arrumar as minhas coisas
quando senti aquele cheiro de queimado. Esqueci o pão na misteira. Queimei meu
lanche da manhã, mas consegui salvar o café, que já estava frio, por sinal.
Corri à academia e, obviamente, Murphy, que estava
presente desde o momento em que eu acordei, apareceu lá, sentado no vestiário
feminino, só pra me fazer lembrar que não era o meu dia. O vestiário
normalmente está sempre vazio, mas naquele dia tinha FILA pra tomar banho. Consegui.
Olhei no relógio: 10 minutos para secar o cabelo, arrumar minha bolsa com
materiais do mestrado e o almoço do dia (sim, se quando eu morava em Beagá eu
já levava comida, imagina aqui?).
Perdi o trem. Era óbvio. Mas a segunda opção me faria chegar
cinco minutos atrasada, então ainda estaria em tempo. Adivinhem? Trem “número 2”
cancelado. Uma penca de pessoas tentando conversar com os atendentes da estação
(aquela turma do “posso ajudar”, sabe?). Desfrutei do fato de ser baixinha e
saí me enfiando por todos até chegar a um dos rapazes e descobrir a conexão que
deveria pegar. “Mudamos a conexão de um dos trens para atender à demanda, então
você pode pegar este, mas com duas trocas e com intervalo de apenas dois
minutos”. Se tudo desse certo chegaria
10 minutos atrasada, mas era a única opção.
Cheguei na faculdade descabelada igual a medusa, suando
igual um porco e... o professor não estava lá, tinha atrasado.
A apresentação de trabalho foi OK. E eu finalmente tive a
sensação de que o pior já tinha passado. No caminho de volta uma ventania
começou absolutamente do nada. E, claro, eu estava de vestido e casaco, mas sem
meia-calça, porque, na correria, a minha desfiou quase por completo e eu fui
obrigada a tirar. Tentei correr até a estação com aquela sensação de que
iria voar. E voou. Não, eu não, claro, mas o guarda-chuva. Continuei minha caminhada
sem guarda-chuva e com frio.
Como de costume, corri até o fim da plataforma pra pegar o
trem, já que as pessoas sempre se amontoam no início e os últimos vagões ficam
vazios. Não sei porquê resolvi inventar de correr. Pensem na cena: uma pessoa
correndo de salto (baixo, mas não deixa de ser salto), vestido, roupa ensopada,
mochila nas costas, bolsa térmica na mão e tentando beber água. Claro que a
garrafa de alumínio caiu e saiu rolando. E claro que ela caiu na trilha do
trem. Depois disso foi aquela vergonha sem igual. Um anúncio no alto-falante. O
pessoal da manutenção chegando para tirar a garrafa do meio do trilho, o trem
atrasado por minha culpa e todo mundo me olhando.
Cheguei em casa exausta.
- Amor, você não acredita no meu dia de hoje.
- O que aconteceu?
- Tudo começou com o chuveiro aqui do apartamento. Você sabe
que hoje não tivemos água quente das 7 da manhã até às 6 da
tarde, né?
- Ahn? Como assim? No anúncio lá fora a única coisa que
dizia era que eles iriam fazer uma manutenção no prédio, mas pediam para não
gastar tanta água e esperar um pouco mais do que o normal até a água
esquentar....
Ahahaha... muito bom. Iria ler depois, com calma, mas não teve jeito porque você escreveu tão bem e tão instigante para se chegar ao final do dia. Coitada! Muita coisa para um dia só, mas pense, pelo menos você está na Suíça, e isso já é muito para muitos brasileiros.
ResponderExcluirAdorei demais o texto! Beijos
Kkkkk. Como assim?
ResponderExcluirÉ Aline acho que vem boas histórias por ai.já estou na expectativa.
Bjs
Muito bom, querida! Faça isso. Se recordar é viver, aproveite o hiato do trabalho e viva para recordar, registrando as memórias. Parabéns! Beijos da mamãe.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
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